Divagacoes tupiniquins em Buenos Aires.

Monday, November 29, 2004

Enquanto isso

Aqui ao meu lado uma pós-adolescente, magrelinha portenha de cabelos dourados, praticamente chegou ao orgasmo enquanto teclava no MSN. Suspirava, levava as maos a cabeca, dava pulinhos na cadeira. Cheguei a ouvir gemidos.

Fiquei doido para ler o que ela estava escrevendo, mas o rabo de olho nao chegou até lá.

Agora ela está fungando, tadinha. Depressao post coitum.

Cerveja

A Quilmes não é tão ruim como dizem. O problema é que a garrafa é servida aqui em temperaturas superiores aos exigentes padroes tupiniquins. Ou seja, no segundo copo, a dita já está quente.

Sugerimos então pedir sempre um chopp. Vulgo balón. Esse vem bem geladinho.

Antes de qualquer divergência, deixo claro que todas as afirmações acima foram devidamente testadas em laboratório.

Desencontrado


Há mais uma coisa que me aumenta essa sensacao estranheza. Demorou bastante, talvez alguns dias, para que minha mente assumisse plenamente o fato de eu estar aqui.

Pode parecer delírio ou mera filosofia de boteco. Talvez haja mesmo em mim um pouco da influência desses dois fatores. No fundo a coisa é bastante simples - a ficha demorou para cair. Levou um certo tempo até que, automaticamente, eu pensasse: estou em Buenos Aires. Mais complicado certamente é tentar entender o porquê disso acontecer. Venho pensando em algumas teorias, todas ainda insatisfatórias.

Quando entender melhor porque eu fiquei uns cinco dias desencontrado, entao escrevo mais sobre isso.


Saturday, November 27, 2004

Estranhos Acasos

Desde que cheguei a Buenos Aires tenho presenciado alguns fatos bem estranhos. Nada com grande importancia. Apenas pequenas coisas fortuitas, daquelas que furam o cotidiano e transformam o que poderia ser corriqueiro em algo mais colorido.

O primeiro desses fatos se passou no Parque San Martin. Estava sentado num dos vários bancos verdes que se colocam de costas para os gramados, encarando as alamedas de ladrilho branco que cruzam a praca. Cenografia típica de parque típico de cidade grande. Eu tentava ler meu livro, enquanto comia empanadas (quentinhas, recém-compradas) e bebia Coca-Cola (light). De repente, um grande estrondo. Nao houve muito tempo para especular sobre a origem daquilo. Olhei para o lado e vi algo se espatifando sobre dois homens que se mexiam assustados. Sobre o banco ao lado, uns sete metros a esquerda do meu, despencara um galho enorme. Na verdade, nao havia mais galho, somente madeira podre quebrada em dezenas de pedacos, alguns ainda de tamanho consideravel. E muito pó, ou fuligem, o que seja. Os dois homens que haviam escolhido o banco premiado nao se machucaram, até onde eu sei. Perguntei a um deles se estava tudo bem, mas ele pareceu ainda chocado demais para me responder com clareza. O galho caíra exatamente entre os dois, o que poupara ambos de maiores consequências.

Tudo foi bastante rápido, mas nao é preciso dizer que praticamente todas as pessoas que estavam por perto, naquele momento, pararam para observar a cena. No rosto de todos, depois do susto, a risada nervosa de quem havia presenciado o acaso trabalhando justo bem ali ao lado. Olhei para cima, e a mesma árvore frondosa sorria para mim, húmida mas aparentemente sólida. Acabei minhas empanadas e fui dar uma volta.

***

Poucos minutos mais tarde, imitei o que faziam alguns argentinos e outros tantos turistas e me sentei sobre o gramado, em uma grande ladeira localizada numa das ponta do parque. Em frente, uma enorme bandeira argentina e uma torre de relógio de estilo inglês (daquelas a que chamamos todas de Big-Ben). Ao meu lado, uma garota que, apesar de simples e discreta, tinha toda pinta de ser turista. Turista mochileira, sem dinheiro, mas ainda assim facilmente identificável. Ela parecia estar num momento inspirado e, como provável poeta, tratava de escrever tudo num pequeno caderno de anotações. Minutos depois, percebi vindo em nossa direcao um sujeito bastante maltrapillho, abordando cada uma das pessoas sentadas no gramado e lhes mostrando uma pasta cheia de papeis. Pedia doacoes para algum abrigo de viciados ou doentes. Em pouco tempo, chegou a vez da nossa amiga poetisa ser atacada. Eu sabia que seria o próximo e, portanto, já preparava minha desculpa. Em espanhol é claro. Quem sabe, se eu continuasse a fingir que lia meu livro, o sujeito me pouparia. No entanto, o maltrapilho tinha lábia considerável e se demorava despejando sua conversa mole nos ouvidos sensiveis da turista. Eu tentava continuar lendo meu livro, mas nao pude deixar de notar - a garota se mostrava simpatisíssima ao tal sujeito. Ele, motivado, sentou-se no gramado e os dois animaram-se num papo de mais de meia-hora.

Até aqui tudo bem. Meia-hora depois, como já disse, o maltrapilho levantou-se e se despediu. Já nao era sem tempo, pensei. Sua jornada já devia ter acabado, pois ele foi embora sem pedir doacoes a mais ninguem. Dei uma olhada breve para o lado e notei que a turista poeta também já havia se ido. Cada um para o seu lado, pelo menos. Mas a surpresa foi outra - o caderninho da moça, ainda aberto, repousava esquecido sobre o gramado.

Olhei em volta e nem sinal dela. Sem hesitar, guardei meu livro na mochila, me levantei e fui pegar o caderno. Já de pé, tentei procurá-la mais ao longe, sem sucesso também.

Sentei numa mureta de pedra e fiquei ali por mais uns dez minutos . Talvez ela se desse conta e voltasse. Folheei o caderno à procura de algum endereço. De um lado, suas páginas continham algumas anotações sobre a previsao de gastos da viagem. Pelo menos, foi o que pude entender com minhas parcas noções de Francês. Do outro lado, duas páginas escritas. Deviam ser suas anotacoes poeticas. Nao me senti no direito de lê-las mais detidamente. Mas que pareceram muito promissoras, isso pareceram.

Ela não voltou, é claro, e eu deixei seu caderno, fechado, sobre a grama.

***

Além destes dois fatos, outras pequenas coisas me intrigaram. Na quarta-feira a tarde, estava traquilamente sentado no banheiro moderno-retrô da senhora Astrid quando olhei ao lado e vi repousando sobre o chao uma simpatica nota de cinquenta pesos. Seria minha? Refiz rapidamente a contabilidade do dia, chequei meus bolsos e minha carteira. Nao, nao era minha. O que era aquilo entao? Mais um teste do acaso? O que deveria ser apenas a prova de que existiam outros estudantes avoados naquela casa, naquele momento acabou me pareceu muito estranho.

Na quinta-feira, estava almoçando num café, sentado junto ao vidro e observando o movimento da rua. Junto à esquina, enquanto um sujeito esperava para atravessar a rua, um outro avoado, desta vez ao volante, estacionava de marcha-ré naquele mesmo espaco. O pequeno furgao branco deu tamanha topada no sujeito que jogou-lhe dois metros longe. Nao chegou a cair, nem houve maiores danos. Apenas xingaram-se à beça.

Coisas assim, estranhas. Me faz pensar se é esta cidade que tem um pouco de surreal, ou se sou apenas eu, que agora tenho mais tempo para olhar tudo com um pouco mais de atencao. Talvez os dois.